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31 de out. de 2011

Abre Aspas: Xongas



Sua ausência lhe causava um vazio. Esse vazio era preenchido por saudade e tédio. Muita saudade, e todo o tédio do mundo. Não havia como atravessar àquela rua sem lembrar-se das vezes em que a atravessaram juntos, sorrindo e se resvalando nas mãos, nos antebraços, braços, nos ombros, quadris, coxas, pés, nos troncos, nas faces, nas frontes, nas cabeças, nos cabelos um do outro. Praticamente se embolavam diante do trânsito nervoso, tenso, bem como dos transeuntes apressados de caras amarradas. Naquelas ocasiões, nada importava de fato, senão o amor que os envolvia e os movia na travessia daquela rua, e na travessia de todas as ruas que cruzavam juntos.

A química do amor... A química do tédio... A química da saudade... Quem é que nunca provou dessas poções mágicas e transformadoras? Quem? Quem?

Ele sentia vontade de escrever. Escrever era a única maneira barata e acessível de espiar aquele tumulto de sentimentos à deriva no marasmo dos sentidos em que vivia seus dias. Mais uma vez pensou nas palavras de João Paulo Cuenca durante um bate papo na feira literária de Paudalho, Pernambuco: “Eu precisava escrever para dar conta daquele momento, e assim eu comecei a escrever num velho computador”. O escritor disse esta frase quando se referiu a um momento muito difícil de sua vida onde morou em um minúsculo apartamento em um conjunto residencial que mais parecia uma colméia superlotada.

Pensativo, preparava-se para atravessar a rua. Tinha em sua mão um copinho plástico de água fresca que acabara de extrair do bebedouro dentro da pequena loja. Já deixava na calçada o pensamento e a química da saudade. Agora sentia seu corpo reagir ao pensamento e à química da angustiante solidão que pairava sobre sua cabeça. Sabia que, ao chegar em casa, era a casa vazia, poeirenta e mofada que lhe aguardava. De longe, avistou uma figura que se aproximava lhe dirigindo a palavra e enlanguescendo o passo, ao mesmo tempo em que aumentava a oscilação dos braços a roçar o abdome roliço e globoso. Cumprimentaram-se. Era o Xongas, João Xongas. Perguntou de como ia sua mãe. Ele, o Xongas, detalhista como poucos, decidiu explicar. Explicou. O outro ouviu. Na boca de Xongas, perdigotos eram vírgulas, pontos, e pontos e vírgulas. Sentiu medo do amigo. Como tomaria sua água depois daquela conversa? Perdeu um copo de água fresca. Despediu-se, e partiu.
Fecha Apas 
Quem escreveu?
Jeferson Cardoso, ou apenas Jefhcardoso, escreve textos maravilhosos de se ler no Jefhcardoso, um blog com apenas seus textos.
Uma coisa legal nos textos dele, é que à primeira vista, são textos enormes, mas com o enredo e o modo da escrita, e tudo mais, no fim de cada texto, parece que você leu cinco linhas, que disseram tudo. 
Vale muito, muito uma visita lá.

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